Ramal de Reguengos
(Troço Évora - Reguengos da Linha do Guadiana)
Resumo:(Troço Évora - Reguengos da Linha do Guadiana)
- Extensão: 40,6 Km; Percurso: Évora (K 116,6), Paço Saraiva (ap), Machede, Sta.Susana (ap), Balancho (ap), Montoito, Falcoeiras (ap), Caridade (ap), Reguengos de Monsaraz (K l57,2).
- Distância média entre estações: 12,6 Km (contra cerca de 8, na rede nacional); região plana e de fraca densidade populacional, mas com povoados duma dimensão considerável.
- Traçado com grandes rectas; balastro na sua quase totalidade. Existem três pequenas pontes metálicas de duplo arco, acima do nível da via.
- Outras infraestruturas: grandes silos da EPAC no terminal de Reguengos, o qual possuiu, em tempos, ponte de inversão para locomotivas a vapor.
- Situação actual: grandes restrições de carga e velocidade, motivadas pelo péssimo estado da via, a qual há muitos anos não tem sido sujeita a qualquer tipo de manutenção (existem ainda vários troços com carril datando de 1886!); Regime de Exploração Simplificado introduzido em 1983; em 1989 existiam apenas três serviços em cada sentido, não constando de nenhum horário oficial.
- Material Circulante mais usado: nos tempos do vapor, eram particularmente frequentes as locomotivas das séries 0200 e 700, rebocando carruagens metalizadas, integradas, na maior parte das vezes, em combóios mistos; seguidamente apareceriam também as automotoras Nohab de dois eixos, com motor a gasolina. O vapor desapareceria em 1968, quando as automotoras de dois eixos haviam já sido dotadas de bogies, bem como dum mais potente motor a diesel. Surgiram também outras automotoras maiores, com reboques, igualmente de marca Nohab, acompanhadas pelas primeiras locomotivas diesel-eléctricas, como as da série 1300, ou, esporádicamente, as mais pesadas 1500. Actualmente, as locomotivas mais usadas são as da série 1200, empregues na trcção de mistos, formados por carruagens metalizadas, vagões J e, sobretudo, tremonhas, destinadas ao transporte de cereais; no tocante às automotoras, verifica-se que o serviço está entregue veículos Nohab de segunda geração, sendo estes os únicos a existir, presentemente.
É precisamente neste tipo de linhas que se enquadra o Ramal de Reguengos, ligando esta localidade a Évora. A sua construção fora, logo de ínicio, motivada por uma tentativa de quebrar, definitivamente, o isolamento externo das vias férreas do Sul.
Quando, em 1887, a Linha do Sueste tomava, inesperadamente, a direcção do Leste, com a abertura do troço de Serpa-Brinches a Pias, notava-se já um relativo desinteresse em levar a sua construção até à vizinha Andaluzia, gorando-se assim, a primeira tentativa levada a cabo no sentido de dotar o país dum grande eixo ferroviário internacional, através do Baixo Alentejo interior.
Já no ano de 1884, havia sido formulada proposta para uma nova linha, ligando Lisboa (pela ponte projectada por Miguel Pais) a Sevilha, passando por Évora e Zafra, com uma ramificação para Moura, entroncando em Pias com o caminho de ferro existente.
A nova linha internacional, designada oficialmente como ``Caminho de Ferro do Guadiana'', bifurcar-se-ia da Linha de Évora nesta localidade, seguindo em direcção a Reguengos de Monsaraz, Mourão (após franquear o Guadiana sobre uma importante ponte), Moura e Pias; de Mourão partiria um pequeno ramal de sete quilómetros até à localidade fronteiriça de S.Leonardo, aí entroncando com a futura linha de Zafra, que serviria os povoados de Jerez de los Caballeros, Oliva de la Frontera e Villanueva del Fresno.
Tendo sido incluída no Plano Ferroviário de 1902, a nova via férrea seria entusiásticamente apadrinhada pelos governantes de então, pois a construção do seu primeiro troço, de Pias a Moura, foi concluída nesse mesmo ano, procedendo-se à sua inauguração a 27 de Dezembro. Seguir-se-ia, como segundo troço, o trajecto Évora -- Reguengos, cuja construção foi ordenada por lei, de 24 de Abril de 1903, e os respectivos estudos mandados executar por portaria, de 19 de Janeiro de 1904. Tudo parecia bem encaminhado para levar a bom termo este ambicioso projecto; porém, cedo se viram esmorecer os ânimos mais entusiastas, caindo a construção da via férrea num longo período de letargia, ao mesmo tempo que preciosos recursos financeiros, inicialmente destinados para esse fim, acabariam por ser encaminhados para outros pontos da rede. As autoridades locais, conscientes da importância da via férrea para fomentar o desenvolvimento económico da região, nunca deixariam de pressionar o governo, para que este desse, de imediato, início à construção dos troços de linha ainda por realizar; até que, finalmente, em 1912, um decreto, de 27 de Janeiro, autorizava o Município de de Reguengos a contrair um empréstimo orçado em 500.000$000, destinado às obras do segundo lanço da Linha do Guadiana. Os primeiros trabalhos iniciar-se-iam a 15 de Dezembro de 1913, tendo muitas das expropriações sido facilitadas pelo Sindicato Agrícola local. Mas o magro orçamento de que se dispunha, no ínicio, rápidamente se esgotou, e a situação económica do país, envolvido no conflito mundial, dificultou, durante muito tempo, a obtenção de novos capitais, fazendo parar, de forma abrupta, todas as obras levadas a cabo até então. Só a partir de 1917 é que o governo intervém, no sentido de dar continuidade ao projecto, pelas leis 675 e 731, de 11 de Abril e 5 de Julho, as quais o autorizavam a dispender determinadas quantias para esse fim. Finalmente, em 1918, os decretos 3939 e 4865, de 16 de Março e 30 de Setembro, regulamentariam a liquidação do empréstimo concedido ao Município de Reguengos, enquanto que o Nº 4811, de 16 de Agosto, proporcionou os recursos necessários para a conclusão das obras.
Após 14 anos de trabalhos, executados a um ritmo consideravelmente lento, foi finalmente aberto à exploração, o segundo lanço da Linha do Guadiana, entre Évora e Reguengos de Monsaraz, numa extensão de 40,6 Km, tendo o serviço comercial sido inaugurado a 6 de Abril de 1927. Decorridos 25 anos após o início do projecto, este ainda se encontrava longe de ser concluído, de tal modo que o seu primeiro troço aberto à exploração, de Pias a Moura, acabaria por integrar-se na antiga Linha do Sueste.
Do lado espanhol, constituiu-se, em finais dos anos vinte, uma companhia chamada ``Ferrocarril de Zafra a Portugal'', iniciando-se, de imediato, os trabalhos de construção da referida via férrea. Nos primeiros tempos, tudo parecia correr a bom ritmo, tendo-se construído, rápidamente, todas as pontes, túneis, e aterros, até à fronteira portuguesa; edificar-se-iam todas as estações da linha, com excepção da de Villanueva del Fresno: até Oliva de la Frontera tudo parecia estar já devidamente preparado para receber o combóio, logo após se proceder ao assentamento da via. Contudo, vissiscitudes de ordem financeira conduziram a que esta empresa caísse sob a tutela do Estado, cabendo-lhe, a partir de então, a conclusão do projecto. Na verdade, tal nunca viria a acontecer, senão parcialmente, pois o assentamento da via parou na localidade de Jerez de los Caballeros, inaugurando-se a exploração até este ponto em 23 de Novembro de 1936, prácticamente no início do mais conturbado período histórico que a Espanha viveu até hoje. Após a Guerra Civil, a linha permaneceria como um ramal, com uma extensão de 47 Km, atribuindo-lhe o regime franquista reduzida importância, previlegiando, claramente, Badajoz, como ponto de trânsito entre Lisboa e a Andaluzia Ocidental.
A história da Linha do Guadiana tem, a partir dos anos 40, um certo paralelismo com o sucedido no país vizinho. Goradas as tentativas de lhe conferir um carácter internacional, nunca veria, igualmente, ser-lhe acrescentado o terceiro lanço, de Reguengos a Moura, ficando o fecho duma malha ferroviária por concluír, graças à política do Estado Novo, que votou à descapitalização o caminho de ferro nacional. No entanto, o ramal sempre se revelou duma importância considerável na economia local, constituindo uma via de comunicação rápida entre várias localidades de relativa dimensão e a capital da província, bem como um meio previlegiado de escoamento dos produtos agrícolas, a custos muito reduzidos, facto que tem contribuído, até hoje, para aumentar a competitividade da lavoura de toda a região. Já nos tempos dos Caminhos de Ferro do Estado, do Sul e Sueste, se considerava este ramal como tendo uma certa importância, logo após os de Aldegalega e Moura, distinguindo-se destes pelo facto de possuir balastro em quase toda a sua extensão. Após a privatização dos caminhos de ferro, em 1947, desaparecem as administrações autónomas do Sul e Sueste e do Minho e Douro; inicia-se, sob a administração da CP, um longo processo de agonia lenta, de efeitos cumulativos, que, duma forma impiedosa, não poupa a maioria dos ramais e linhas de via estreita. Os bons serviços desaparecem gradualmente, e, com eles, um cada vez maior número de passageiros. Persiste-se, deliberadamente, nesta política, a fim de desencorajar qualquer investimento: no final dos anos 50, a designação oficial ``Linha do Guadiana'' é substituída pela de ``Ramal de Reguengos'', traduzindo, de forma inequívoca, a ausência de perspectivas para este caminho de ferro.
A CP tem demonstrado, nos últimos tempos, a sua vontade de cessar a exploração, no Ramal de Reguengos, apoiando-se no decreto - lei 63/83; este prevê, efectivamente, a possibilidade de desactivação de vias férreas, sob a condição de se estabelecerem acordos para este fim, entre a operadora ferroviária, o governo e os municípios servidos pela ferrovia, bem como a criação de serviços rodoviários de substituição. Ter-se-ão estabelecido estes protocolos, ou, pelo contrário, pretende-se desactivar o caminho de ferro á revelia das autarquias locais?
O Ramal de Reguengos continua a desmpenhar, apesar de tudo, um papel estruturador de todo o território a Sueste de Évora e é inconcebível que um Alentejo interior desenvolvido possa prescindir desta via de comunicação, assim como do seu prolongamento natural para Moura, fechando-se a malha ferroviária através da criação dum caminho de ferro directo, entre Évora e Beja. A internacionalização deste eixo ferroviário afigura-se, no entanto, mais difícil de concretizar; mas a relativa proximidade da linha de Zafra a Jerez, susceptível de beneficiar duma renovação, motivada pelo seu pesado tráfego de mercadorias, é um factor a ter em conta no estabelecimento duma ferrovia entre Lisboa e Sevilha, relativamente directa e envolvendo custos reduzidos.
Autor: Manuel Margarido Tão -- Abril de 1989
Introdução a um passeio do Clube de Entusiastas do Caminho de Ferro realizado em 22-4-89
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