Linhas do Mondego 1996

Linhas do Mondego

Não foram raras as vezes, no final da década de setenta, a caminho da adolescência, que para chegar a Coimbra tinha que ir à Amieira vindo da cidade que me viu nascer junto do tão cantado Mondego. O regresso era a mesma odisseia ou até pior. Vibrava ao ver a locomotiva que com tanto esforço tentava ver do canto da janela ou, em clara desobediência ao poder paternal, debruçado nela.
Por vezes a viagem era feita nas automotoras vermelhas onde a magia já se desvanecia perdendo-se depois nas "espanholas" que foram ardendo. No início dos anos 80 electrificou-se a linha e da exausta hora e meia passou-se para a longa hora e um quarto... Muito se tem perdido desde então. E o último episódio começou há 2 anos quando foi substituído todo o material circulante pelas velhas, desconfortáveis, terceiro-mundistas e barulhentas automotoras vindas da Linha de Sintra rumo à sucata, que por aqui decidiram circular mais alguns anos para desespero dos pacientes utilizadores. A Oeste nada de novo. Fica-se com a sensação de que se devem à Figueira todas as melhorias que têm sido feitas na Linha do Oeste, quando é mais ou menos claro que tudo se deve às fábricas de celulose e às cimenteiras que se encontram ao longo desta.
É de notar que continuam em serviço na Linha do Oeste automotoras Allan compradas à Holanda, em segunda mão, no princípio da década de 50. Os holandeses, perante tal relíquia, fazem peregrinações a esta linha por se tratar de um "museu vivo"...
Mesmo algumas das melhorias de que se tem vindo a falar são discutíveis. Por exemplo há o Intercidades... Quando um comboio se limita a servir apenas um ponto concreto, como é a Figueira, sem pensar em toda a região que a circunda, é sem dúvida um mau investimento a longo prazo. Se não vejamos: quem utiliza o Ramal de Alfarelos não pode tomar Intercidades porque, como este parte às 7.10 não pode ser utilizado por quem chega à Figueira às 7.10! A não ser que queira chegar à 1.38! Porque, por incrível que pareça, a automotora que vem de Coimbra chega à Figueira exactamente à hora que parte o Intercidades. Soluções: o Intercidades partir 10 minutos mais tarde ou parar em Bifurcação de Lares 2 minutos. E se quiser vir de Leiria, por exemplo, às 20.29 para ir para Coimbra, ao chegar à Figueira, por volta das 21.10, não queira saber para onde vai a automotora que vê partir, e se descobrir que ela foi para Coimbra, não se enerve ...sabe, aquela automotora não dava Iigação ao Intercidades!
Espera agora uma horita repartida entre a Figueira e Alfarelos. Assim nem vê o tempo passar... Ou então vá de autocarro!!
Claro que já não falo da ligação do Ramal de Cantanhede pois a primeira das três automotoras chega à Figueira às 8.42 e a última que daqui parte é às 18.40. Deitar cedo...

O Ramal de Cantanhede está seguramente condenado a desaparecer... Tal como nas linhas de via estreita no norte e centro do país, a CP aproveitará a "confusão" de algumas eleições ou então algum dia um de Janeiro. E talvez a Câmara de Cantanhede não esteja alheia ao futuro encerramento. Não existe por exemplo nenhuma placa na vila a indicar a direcção da estação. Esta foi restaurada há poucos anos e talvez venha a dar jeito para os serviços da Câmara como a exemplo de Chaves, Monção, Moncorvo, Fafe,... Ou então para a dinamitar e construir alguma inútil rotunda europeia como em Viseu!

O Ramal de Cantanhede tem seguramente tanta potencialidade como o Ramal da Lousã tem vindo a demonstrar. Serve mais concelhos e pessoas que aquele.

Existe igualmente um pormenor histórico: o Ramal de Cantanhede faz parte da Linha da Beira Alta. Quem duvidar disso, leia uma placa comemorativa que foi colocada na estação da Figueira aquando da inauguração, em 1982, da electrificação do troço até Alfarelos (paradoxo: a placa comemora o centenário da Linha da Beira Alta) ou veja os azulejos na estação de Vilar Formoso.

Há também um certa mentira e má gestão deste mesmo Ramal. O número de passagens de nível com guarda é descomunal, não havendo qualquer recurso a automatismos. Por outro lado, os primeiros 20 quilómetros à saída da Figueira foram renovados ainda em 1993 (e não sei se está a haver renovação agora) com travessas novas, e é precisamente nesse troço que os comboios são mais lentos (30 Km/h). Como é que a CP quer ter uma linha rentável se para percorrer 70 Km são necessárias duas longas horas? Depois, não é com três circulações diárias em cada sentido, que se rentabiliza uma linha férrea nestas circunstâncias. Sinceramente não se entende esta estratégia comercial, se é que existe...

Mas o Ramal de Cantanhede deve ser preservado não por aquilo que é hoje mas sim por aquilo que terá que ser no futuro.

Finalmente, falando do Ramal de Alfarelos, é seguramente das três linhas que servem a Figueira, a mais importante e a que serve um maior número de pessoas. Também aqui os problemas são muitos. São as longas esperas em Coimbra-B, em Alfarelos ou em Verride, é quase a hora e um quarto que em média o comboio demora, chegando à hora e meia. Sem perda dos comboios regionais, porque não comboios directos Figueira - Alfarelos - Coimbra? às 8.00, 18.00 e 22.30! No regresso um às 19.20 e outro às 20.45.

E se a CP em vez de "andar entretida" a renovar pontes que não têm mais que cinco metros, com dinheiro do FEDER, se candidatasse a fundos para duplicar a linha até Alfarelos de uma vez por todas?

A defesa do Caminho de Ferro tem que começar hoje sob pena de amanhã todos estarmos a lamentar um facto consumado. O desenvolvimento de um país passa por novos comboios, rápidos, confortáveis e humanizados. é o que tem vindo a acontecer por essa Europa fora.

Hoje estamos pior porque estamos como há quinze anos atrás.

1996

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